sábado, 26 de abril de 2014

VI e continuo a VER o SENHOR

1. O Domingo de Páscoa na Ressurreição do Senhor oferecia-nos o grande texto de João 20,1-10, com a descoberta do túmulo aberto, mas não vazio! Túmulo aberto: a pedra muito grande (Marcos 16,4) do poder da morte tinha sido retirada! e o Anjo do Senhor sentou-se sobre ela (Mateus 28,2), impressionante imagem de soberania e vitória! Mas não vazio: está, na verdade, cheio de sinais, que é preciso ler com atenção: um jovem sentado à direita com uma túnica branca (Marcos 16,4), dois homens com vestes fulgurantes (Lucas 24,4), as faixas de linho no chão e o sudário enrolado noutro lugar (João 20,6-7). É importante ler os sinais e ouvir as mensagens! Se o túmulo estivesse vazio, como vulgarmente e inadvertidamente dizemos, estávamos perante uma ausência cega e muda. Na verdade, os sinais e as mensagens mostram uma presença nova que somos convidados a descobrir. 2. O texto imenso de João 20,1-10 colocava-nos ainda diante dos olhos o início de diferentes percursos por parte de diferentes figuras face aos sinais encontrados ou ainda não, lidos ou ainda não: A) assim, a Madalena vai de manhã cedo, ainda escuro, ao túmulo, e vê de longe, com um olhar normal (verbo grego blépô), a pedra retirada, e corre logo, equivocada, a levar uma notícia, que não teve o cuidado de comprovar; ela anda ainda no escuro, e, no IV Evangelho, quem anda na noite e no escuro, anda perdido. B) Pedro e o Outro Discípulo correm juntos, mas o Outro discípulo vai à frente e chega primeiro ao túmulo, e Pedro segue-o e chega depois; portanto, os dois correm juntos: não um ao lado do outro, mas um atrás do outro. Não é questão de idade, como pensam e dizem vulgarmente as pessoas. Na verdade, o discípulo é aquele que segue o Mestre até ao fim, sempre. E apenas o Outro Discípulo seguiu o Mestre até ao fim, até à Cruz e ao túmulo; Pedro não foi até ao fim: ficou com os guardas no pátio do sumo-sacerdote (João 18,18). Como não seguiu Jesus até ao fim, tinha agora de seguir alguém que tinha seguido Jesus até ao fim! Pedro está a fazer o seu percurso guiado pelo Outro Discípulo, que indica o caminho e o túmulo a Pedro. C) Pedro entra no túmulo e vê, com um ver que dá que pensar (verbo grego theôréô), os panos de linho no chão e o sudário cuidadosamente enrolado… Conclusão: o corpo de Jesus não foi roubado, como supôs a Madalena equivocada! Os ladrões não costumam deixar a casa roubada tão em ordem! Por isso, Pedro vê com o olhar de quem fica a pensar no que se terá passado… Talvez seja coisa de Deus… D) O Outro Discípulo entrou, viu, com um olhar histórico (tempo aoristo) de quem vê por dentro a identidade (verbo grego ideîn), e acreditou. É o olhar da fé. 3. A Madalena continua o seu percurso em João 20,11-18. Aparece junto do túmulo a chorar, inclina-se e vê, agora com um ver que dá que pensar (verbo grego theôréô), dois anjos vestidos de branco (cor divina), estrategicamente colocados no túmulo, como sinais. Perguntam à Madalena: «Mulher, porque choras?». Na verdade, ela ainda está do lado da morte… Voltando-se para o jardim, vê, outra vez com um ver que dá que pensar (theôréô), um homem de pé, que ela pensa ser o jardineiro, mas que, na verdade, é Jesus, que a deixa espantada com a segunda pergunta que lhe faz: «Mulher, porque choras? (normal, pois ela continuava a chorar); a quem procuras? Esta segunda pergunta desvenda a Madalena, que bem pode pensar assim: e como é que ele sabe que eu procuro alguém? É assim que, adivinhando-a e antecipando-se a ela, Jesus se dá a conhecer à Madalena. Equivocada como anda, ainda quer reter o Ressuscitado, mas não pode: aprende ainda que nada nem ninguém pode reter o Ressuscitado! Leva tempo até passar da margem da morte para a margem da vida verdadeira! E finalmente vai anunciar aos discípulos, enviada pelo Ressusciatado: «Vi (heôraka) o Senhor!». Mas mudou de olhar. O que ela diz agora é: Vi e continuo a ver o Senhor! É o que significa o verbo grego horáô, no tempo perfeito. É o olhar da testemunha. Aqui termina a Madalena o seu longo e belo percurso, e sai de cena. 4. Novos percursos se abrem, e é aqui que se inicia o Evangelho do Domingo II da Páscoa (João 20,19-29). Os discípulos estão num lugar, com as portas fechadas, por medo dos judeus. O Ressuscitado, que nada pode reter, vem e fica no MEIO deles e saúda-os: «A paz esteja convosco!». Mostra-lhes as mãos e o lado, sinais que identificam o Ressuscitado com o crucificado, e agrafa-os à sua missão: «Como o Pai me enviou, também Eu vos envio». O envio dele está no tempo perfeito (é para sempre): está sempre em missão; o nosso está no presente, e passa. O presente da nossa missão aparece, portanto, agrafado à missão de Jesus, e não faz sentido sem ela e sem Ele. Nós implicados e imbricados n’Ele e na missão d’Ele, sabendo nós que Ele está connosco todos os dias (cf. Mateus 28,20). É-nos dito que os discípulos ficaram cheios de alegria ao verem (ideîn) o Senhor. Tal como o Outro Discípulo, também eles vêm com um olhar histórico (tempo aoristo) a identidade do Senhor. O sopro de Jesus sobre eles é o sopro criador, com o Espírito, para a missão frágil-forte do Perdão. Este sopro só aparece aqui em todo o Novo Testamento! 5. Com eles quando veio Jesus. Mas os outros dez anunciam-lhe com a mesma linguagem da Madalena, mas no plural: «Vimos o Senhor!» Portanto, também eles são testemunhas, pois viram e continuam a ver, de acordo com o tempo perfeito do verbo grego. Mas Tomé quer tudo controlado, ponto por ponto, e refere: «Se eu não vir nas suas mãos a marca dos cravos, e meter o meu dedo na marca dos cravos e meter a minha mão no seu lado, não acreditarei». 6. Novo desarme: oito dias depois, estavam outra vez os discípulos com as portas fechadas (mas o medo já não é mencionado), e Tomé estava com eles. Veio Jesus, ficou no MEIO, saudou-os com a paz, e dirigiu-se logo a Tomé desta maneira: «Traz o teu dedo aqui e vê as minhas mãos, e traz a tua mão e mete-a no meu lado, e não sejas incrédulo, mas crente!». Aí está Tomé adivinhado e desarmado. Também ele podia ter pensado: e como é que ele sabia que eu queria fazer aquilo? Tomé cai aqui, adivinhado e antecipado. Não quer tirar mais provas. Diz de imediato: «Meu Senhor e meu Deus!», uma das mais belas profissões de fé de toda a Escritura. E Jesus diz para ele: «Porque me viste e continuas a ver (tempo perfeito), acreditaste; felizes os que, não tendo visto na história (tempo aoristo), acreditaram!» Esta felicitação é para nós. 7. Notável o percurso dos Discípulos: fechados e com medo, viram Jesus entrar e ficar no MEIO deles, sem que as portas e as paredes constituíssem obstáculo. Trocaram o medo pela alegria, e também eles começaram a ver de forma continuada o Senhor e anunciá-lo. Notável e exemplar para nós o percurso de Tomé, chamado Gémeo: não estava com a comunidade, tão-pouco aceitou o seu testemunho; queria provas. Mas quando veio Jesus e o adivinhou, entregou-se completamente! Tomé, chamado Gémeo! Irmão gémeo! Irmão gémeo de quem? Meu e teu, assim pretende o narrador. De vez em quando, também nós não estamos com a comunidade. Como Tomé, chamado Gémeo. Por vezes, também duvidamos e queremos provas. Como Tomé, chamado Gémeo. Salta à vista que também devemos estar coma comunidade. Como Tomé, chamado Gémeo. E professar convictamente a nossa fé no Ressuscitado que nos preside (no MEIO) e nos precede sempre. Como Tomé, chamado Gémeo. António Couto

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