quinta-feira, 29 de janeiro de 2015

TODOS OS JOVENS TEM UMA VOCAÇÃO

O secretário para os seminários da Congregação do Clero (Santa Sé), D. Jorge Carlos Patrón, defende que a Igreja Católica tem de assumir um discurso centrado na “vocação” para superar a cultura da “profissão”. “Como a nossa cultura não educa a descobrir uma vocação, mas forma apenas para uma profissão, um emprego, o grande desafio é ajudar os jovens a ver a vida como vocação”, declarou o prelado mexicano, em Albufeira, onde participa nas jornadas de atualização do clero das dioceses do sul – Algarve, Beja e Évora - com o tema ‘Que pastores para a Igreja no mundo atual?’ (26 a 29 de janeiro). “Sabemos que Deus gera uma vocação em cada jovem, todos os jovens têm uma vocação, uma missão”, acrescentou, em entrevista à Agência ECCLESIA e ao jornal ‘Folha do Domingo’. Essa vocação, do ponto de vista cristão, pode passar por ser “sacerdote, consagrado, ter uma família, ser um leigo comprometido”. “Infelizmente, o nosso sistema educativo e as famílias deixaram de falar e de ver a vida como uma vocação”, assinala. O secretário para os seminários da Congregação do Clero acredita que o reforço da vocação laical levará a um aumento das vocações sacerdotais, esperando que os sacerdotes saibam “delegar” e que os cristãos assumam o desafio “missionário” lançado pelo Papa. “Alguém tem de fazer a pergunta e alguém tem de dar testemunho”, apelou. O responsável da Santa Sé recorda que os padres de hoje têm de assumir as suas responsabilidades como “um pai de muitos filhos, de todas as idades, condições e mentalidades”. “O pai não é alguém que faz tudo, mas que procura estar presente”, explicou, numa relação de “paternidade, de companhia, de carinho”. Aos membros do clero das dioceses do sul, o bispo mexicano falou sobre a “identidade sacerdotal”, a partir da experiência de ser “filhos”, “irmãos” e “pais espirituais”, refletindo o “coração de Deus”. “Na formação permanente dos sacerdotes, dizemos que se aprende a ser pai todos os dias”, refere D. Jorge Carlos Patrón, que apresenta o Papa Francisco como um exemplo do que é ser “pai para todos”.

domingo, 25 de janeiro de 2015

Deus vem e chAMA

Neste Domingo III do Tempo Comum é-nos dada a graça de escutar o Evangelho de Marcos 1,14-20. Jesus já tinha entrado em cena mas ainda não tínhamos ouvido a sua voz. Ouvimo-la agora pela primeira vez. Serão, portanto, dizeres importantes e programáticos. [...] E aí está então o primeiro dizer de Jesus, articulado em duas declarações inseparáveis: «Foi cumprido o tempo e fez-se próximo o Reino de Deus» (Marcos 1,15). O acento cai sobre os dois perfeitos que abrem enfaticamente as declarações, e revelam que o Evangelho é em primeiro lugar o anúncio da inciativa divina, Deus em ação, que abre ao homem novas e belas perspectivas. O perfeito passivo (peplêrotai), que qualifica o kairós, indica bem que Jesus não se refere a qualquer segmento de tempo cronológico, mas àquele específico do cumprimento, posto expressamente sob a intervenção definitiva de Deus. Só Deus pode agir sobre o tempo cronológico, tornando-o kairós, tempo grávido de alegria e de esperança. Uma vez mais, o anúncio precede a ordem: Jesus não começa com normas e exigências, mas assinala quanto Deus já fez e está a fazer, por sua gratuita iniciativa, em nosso favor. Só depois, e como normal consequência, surgem na boca de Jesus dois imperativos: «Convertei-vos» e acreditai no Evangelho» (Marcos 1,15), que traduzem o que compete aos homens fazer. Jesus não é um moralista, mas um Evangelizador. Vem logo, para não se afastar da fonte, o tempo de chamar, de romper amarras, de «ir atrás de» (Marcos 1,16-20). Mas tudo começa ainda com o ver e o fazer primeiros e criadores de Jesus. Jesus viu Simão e André, Tiago e João, e chamou-os: «Vinde atrás de mim, e farei de vós…». Espanta aquele «imediatamente» deixaram… e foram «atrás de» Jesus. Sem reticências nem calculismos. Perante o que nos é dado ver, uma primeira pergunta nos assalta, irrompendo sobre nós como uma onda súbita: Quem pode dar uma ordem assim? Mas, ainda antes de esboçarmos a resposta, já uma segunda vaga, que tempera a primeira, cai sobre nós: Quem merece uma tal confiança? [...] São Paulo diz bem, em tradução literal: «O tempo já está a enrolar as velas» (1 Coríntios 7,29). Entenda-se: o tempo da oportunidade dada, da enchente da Palavra de Deus por nós já respondida ou ainda não, está a chegar ao fim; já está a enrolar as velas como fazem os marinheiros quando a embarcação se aproxima da terra. E ainda: «Passa, na verdade, o esquema deste mundo» (1 Coríntios 7,31). Bem entendido: «O (filme) que passa na tela é este mundo!». Se assim é, devemos aprender a saber relativizar a maneira como habitualmente nos agarramos às nossas ideias feitas e às coisas deste mundo, desde o casamento, aos bens possuídos, aos negócios. Grande lição de São Paulo em 1 Coríntios 7,29-31. A nossa vocação traduz-se na adesão ao Último, que reclama o desprendimento do penúltimo, e um amor desmedido, e um ardor desmedido, à maneira de São Paulo. O Salmo 25, que hoje fica a ecoar no nosso pobre coração, mostra-nos um fino e delicado jogo de olhares entre o orante fiel e um Deus sensibilíssimo, que olha para nós sempre com ternura paternal, refúgio permanente para os pobres e pecadores. Deixo aqui a ressoar as palavras da grande mística muçulmana do século VIII, Rabiʽa, que viveu em Bassorá, no Iraque, e que, para responder à pergunta: «Como chegaste a um grau tão elevado na vida espiritual?», respondeu: «Repetindo ininterruptamente: “Meu Deus, refugio-me em ti para me defender de tudo o que me distrai de ti, e de todo o obstáculo que se interpõe entre mim e ti”» (I detti di Rabiʽa, IV). (António Couto, Bispo de Lamego)

sexta-feira, 16 de janeiro de 2015

PASSOS PARA CAMINHAR... "VINDE E VEREIS"

"Ao início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo" (Bento XVI, DCE, 1).
Um cristão não é, simplesmente, alguém que tem a sua fé, a sua religião, o seu culto ou a sua moral… É, fundamentalmente, alguém a quem de uma forma ou de outra, foi apresentado Jesus Cristo e se decide a segui-l’O, entrando num processo de conhecimento, de confiança, de intimidade, de compromisso e de identificação com Ele… Um processo cuja meta é a que São Paulo nos apresenta na sua Epístola aos Coríntios: “aquele que se une ao Senhor constitui com Ele um só Espírito”. Meta que nunca se alcança, neste mundo, de modo pleno e definitivo, mas para a qual devemos tender e caminhar sempre, cultivando aquela atitude de atenção e de disponibilidade que Heli recomenda a Samuel e que ele exprime por estas palavras: “falai, Senhor, que o vosso servo escuta”. A comunhão com o Mestre que o Apóstolo anuncia nasce e vive desta atitude… Encontrar Jesus, conhecê-l’O e comunicá-l’O são os pontos fundamentais do caminho de todo o cristão. Pontos que o Evangelho (Jo 1, 35-40) tão bem destaca: 1. “Eis o Cordeiro de Deus”. Deus age por mediações: na história da nossa fé há sempre um “João Baptista” que nos aponta e apresenta Jesus… 2. “E seguiram Jesus”. Não basta tê-l’O encontrado para ser seu discípulo: é preciso seguir o trilho dos seus passos. 3. “Que procurais?” Jesus não quer ser seguido por rotina ou distracção. Por isso há que sondar, frequentemente, a qualidade e a profundidade da nossa fé e as razões do nosso seguimento… 4. “Onde moras?” Seguir Jesus é entrar num processo interminável de conhecimento, intimidade e comunhão com Ele. 5. “Vinde e vereis”. Ninguém pode ir por nós… O caminho é procurar, aprendendo a reconhecê-l’O e a escutá-l’O aonde Ele nos propõe encontro: na sua Palavra, nos Sacramentos, em cada Próximo, nos “Sinais dos Tempos”… 6. “E ficaram com Ele”. Só permanecendo n’Ele e Ele em nós, daremos passos na assimilação e no testemunho do seu pensar, do seu sentir e do seu agir. 7. “E levou-o a Jesus”. A luz não é para se esconder. O evangelizado torna-se evangelizador, elo de transmissão…, como André. E essa é, hoje, a nossa responsabilidade.

segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

BAPTISMO DO SENHOR: Jesus que passa pelo meio de nós

Com a festa do Baptismo do Senhor,chegamos ao umbral do chamado «Tempo Comum» do Ano Litúrgico que, ao contrário do que se possa pensar, não é um «Tempo secundário», mas fundamental na vida celebrativa da Igreja. Na verdade, ao longo deste «Tempo Comum», Domingo após Domingo, a Igreja Una e Santa, Baptizada e Confirmada, é CHAMADA a contemplar de perto, episódio após episódio, toda a vida histórica do seu Senhor, desde o Baptismo no Jordão até à Cruz e à Glória da Ressurreição. Esta apresentação só é possível porque, em cada um dos Anos Litúrgicos, é proclamado, Domingo após Domingo, praticamente em lição contínua, um Evangelho inteiro. Neste Ano B, é-nos dada a graça de ouvir o Evangelho segundo Marcos, por todos considerado o mais antigo dos Evangelhos, escrito, com certeza, durante a guerra judaica (66-70), mas antes da destruição de Jerusalém e do Templo no ano 70. Em termos formais, é um Evangelho em que se sucedem os episódios, como num filme, sendo diminuta a parte discursiva. O leitor ou ouvinte vê passar diante de si uma série de episódios em rede, sendo constantemente convidado a implicar-se no que vê, perguntando, interpretando, fazendo seu o programa das personagens ou dele se distanciando, ou simplesmente manifestando o seu espanto e encanto. O Primeiro Domingo do «Tempo Comum» coloca então diante de nós o episódio do Baptismo de Jesus no Jordão, que acontece logo a abrir o Evangelho segundo Marcos 1,7-11. O texto apresenta-se em duas vagas: Marcos 1,7-8, apontando para João Baptista, e Marcos 1,9-11, apontando para Jesus. Deixamos aqui algumas anotações para facilitar a compreensão da figura de João Baptista, apresentada na primeira vaga do texto: 1) João Baptista surge em cena, em pleno deserto, sem qualquer apresentação prévia, sem pai nem mãe, como se tivesse chovido do céu (Marcos 1,4); 2) atravessa-o uma dupla tarefa: anunciar Aquele-que-Vem, (Marcos 1,7), e, porque se trata de Alguém muito importante, advertir o povo de Israel que não basta ficar à espera dele, mas que é necessário preparar-se para a sua chega (Marcos 1,2-5.7-8); 3) esta preparação requer quatro coisas: conversão, confissão dos pecados, obter o baptismo e a remissão dos pecados (Marcos 1,4-5); 4) a missão de João Baptista reveste-se de algumas particularidades: toda a região da Judeia e todos os habitantes de Jerusalém saíam ao encontro de João Baptista (Marcos 1,5); 5) curiosamente não é João que vai ao encontro das pessoas, como tinham feito os profetas antes dele, e como fará também Jesus, que sai e percorre as cidades e aldeias ao encontro das pessoas; é este, de resto, o estilo dos Evangelizadores: ir ao encontro das pessoas, e não ficar à espera delas; 6) João parece um ponto fixo no deserto: é lá que vive, é lá que prega, e as pessoas vão lá escutá-lo; 7) é descrita a forma como anda vestido e o que come (Marcos 1,6), quer para mostrar a sua austeridade, quer para o vincular à figura de Elias (2 Reis 1,8); 8) contra o ritual habitual, não são as pessoas que tomam o banho lustral de purificação, mas é João que as baptiza na água do Jordão; 9) Este gesto é tão insólito e característico de João, que lhe vale o título de Baptista, não só no NT, mas também em Flávio Josefo. A segunda vaga do relato (Marcos 1,9-11) assinala o ponto alto do texto. João tinha anunciado a Vinda de Alguém incomparavelmente superior a ele. As expectativas estão no auge. Quando virá e de onde virá? Primeira surpresa: eis que vem Jesus, diz o narrador, de Nazaré da Galileia, terra desconhecida do interior da província e do mundo rural, nunca referida no AT. Natanael tem razão quando pergunta: «De Nazaré poderá vir alguma coisa boa?» (João 1,46). Vem do povo, e vem com o povo, no meio do povo, solidário com o povo. Na verdade, nova surpresa, não começa logo a baptizar, mas é baptizado por João no rio Jordão (Marcos 1,9). Com o povo, no meio do povo, não ao lado do povo. Jesus vem, portanto, no meio do povo pecador que se submete a um baptismo de conversão para a remissão dos pecados. Entenda-se bem que Jesus se submete ao mesmo baptismo a que o povo se submete, não porém para a remissão dos próprios pecados, mas os dos outros. Grande gesto de solidariedade connosco, prolepse já da sua vida inteira e do baptismo de sangue da Cruz (Marcos 10,38). Se este Jesus está no meio de nós, completamente solidário connosco, o texto mostra-o também completamente unido a Deus, a quem tem livre acesso. É para significar esta sua perfeita união com Deus, que os céus se abrem, cumprindo Isaías 63,19, e o Espírito desce, não «sobre ele», mas «para dentro dele» (Marcos 1,10), para permanecer nele de modo íntimo e estável. O Espírito não transforma Jesus, mas torna transparente a sua identidade. Esta nota da sua união com Deus sai logo reforçada pela voz que vem dos céus, portanto, autorizada e revelatória: «Tu és o Filho Meu, o Amado, em Ti o meu Enlevo (Marcos 1,11), deixando ver em filigrana a figura do Rei messiânico do Salmo 2,7 e do Servo de YHWH de Isaías 42,1. Mas é sobre Jesus que recai toda a atenção, pois desde que entra em cena, é ele o sujeito ou o destinatário de todas as acções: «vem de Nazaré», «é baptizado por João», «sai da água», «vê os céus abrirem-se e o Espírito descer», «a voz que vem dos céus é dirigida a Ele e fala para Ele». Jesus, por seu lado, permanece em completo silêncio. Diante dos olhos atónitos de João, e também dos nossos, fica, portanto, Jesus que, connosco e no meio de nós, como um de nós, desce ao rio Jordão para ser connosco baptizado. Para nos curar, é preciso passar pelo meio de nós. (Excertos do texto de António Couto, bispo de Lamego)

sábado, 3 de janeiro de 2015

EPIFANIA DA ALEGRIA DO EVANGELHO

Com os Magos, os grandes protagonistas da solenidade da Epifania, somos convocados, uma vez mais, a por pés ao caminho, em direcção ao Presépio, atraídos pela luz da estrela, que, lá bem do alto, sempre nos precede, e vai à nossa frente. Como eles poderemos aspirar a sentir “fortemente uma grandíssima alegria” ao vê-l’O e adorá-l’O. Percorramos, sem mais demoras, este caminho, que nos leva a Belém (casa do pão), onde Deus nos revela o seu rosto; um rosto humano de um Menino, e donde, aí chegados e encontrados, somos enviados por um caminho novo! A festa da Epifania é, realmente, a festa da revelação de Deus. Um Deus «em saída», à procura dos seus filhos, e também a festa de uma humanidade «em saída», em busca do verdadeiro rosto de Deus. É a festa do movimento. Num trânsito que segue em dois sentidos: por um lado, há o movimento de Deus, que “sai do seu mundo”, e vem ao encontro da humanidade, encarnando, em Jesus; e, por outro lado, há o movimento de tantos homens e mulheres, de proveniências diversas, que saem de si mesmos em direcção a Deus. Na base deste duplo movimento de saída, há um mesmo motor de busca: atracção recíproca. «Por pura graça, Deus atrai-nos, para nos unir a Si» (EG. 112). Assim foi com os Magos, que saíram das suas seguranças, porque uma Estrela os atraía, uma luz os precedia e ia à sua frente. A Igreja inteira está dentro deste movimento de Deus para com o mundo. A Igreja, como a estrela, não tem luz própria; só pode reflectir a luz do Sol – Jesus, o Deus feito Menino. Daí que, da solenidade da Epifania, se forme a convicção de que a Igreja só pode ser missionária, como nos diz o Papa Francisco, «uma Igreja em saída» (E.G. 24) e de portas abertas (E.G. 46). Uma Igreja que parte de Cristo e sai, por caminhos novos, ao encontro dos homens, sem medo de ficar “acidentada, suja ou enlameada” (E.G. 49). É preciso «sair» e dizer àqueles que se sentem distantes de Deus e da Igreja, àqueles que têm medo e são indiferentes: “o Senhor chama-te também a ti, chama-te para fazeres parte do seu povo e fá-lo com grande respeito e amor” (E.G. 113) por ti. Tal como os Magos, sejamos discípulos-missionários, “ministros do evangelho, cuja vida irradie fervor” já que fomos nós “quem primeiro recebeu, em si, a alegria de Cristo” (EG 10; E.N:80). E sejamos, para os outros, pequenas estrelas, que reflectem a sua luz, e assim atraem os homens para Deus.