sexta-feira, 27 de janeiro de 2017
Uma VOCAÇÃO é algo ESPECIAL
Quando era mais novo pensei fazer um filme sobre ser padre. [Pensei, eu próprio, ser padre, até que acabei por descobrir, aos 15 anos, que] uma vocação é algo de muito especial, algo que não podes adquirir por ti mesmo e que não é algo que possas ter apenas porque gostavas de ser parecido com outro pessoa. (...) Ora, se alguém é de facto chamado, como pode lidar com o seu orgulho próprio? (...) Por isso, a questão é : como pode um padre libertar-se do seu ego? Do seu orgulho? Eu queria fazer esse filme. E fi-lo com "Silêncio", quase 60 anos depois. (...) Rodrigues bate-se precisamente com essa questão. (Interview with Martin Scorsese », feita por António Spadaro SJ, in La Civiltà Cattolica, 2016 (nº 3996)).
sábado, 21 de janeiro de 2017
DEUS ANDA POR AÍ À PROCURA DE TI!
O Evangelho de Mateus 4,15-16 refere
com precisão que, «quando Jesus soube que João Baptista tinha sido preso,
retirou-se para a Galileia» (Mateus 4,12), e, «desde então, começou a pregar»
(Mateus 4,17a). Uma prolepse e uma surpresa, podemos dizer mesmo um escândalo.
A prolepse: ao anotar a prisão de João Baptista, o narrador não está tanto a
registrar um facto histórico, mas mais a desvendar já aquilo que um dia
acontecerá também a Jesus. A surpresa e o escândalo: era do sentir comum que o
anúncio messiânico fosse feito no coração do judaísmo, em Jerusalém, e não numa
região periférica, desprezada e contaminada pelo paganismo, como era esta
«Galileia dos pagãos» (Mateus 4,15). É para justificar e iluminar este estranho
e inesperado começo, que Mateus se vê como que obrigado a citar por inteiro a
passagem apropriada de Isaías 8,23-9,1.
Luz de Jesus a iluminar a
noite da Galileia. Voz de Jesus a romper aquele espesso manto de silêncio:
«Convertei-vos, porque está próximo de vós o Reino dos Céus!» (Mateus 4,17b).
Esplêndida Luz, esplêndida Voz, esplêndido Amor de Deus, esplêndida surpresa
divina! Ainda antes de nos convidar a que nos interessemos por Deus, a Bíblia
mostra que é Deus que se interessa primeiro por nós, tomando a iniciativa de
percorrer as nossas estradas para nos vir visitar a nossas casas! É esta a
maravilha desconcertante do Evangelho!
E assim continua no velho
texto de Mateus e nas nossas estradas de hoje. Verificação: Jesus caminha ao
longo das praias do Mar da Galileia, e vê dois irmãos, Simão e André, ocupados
nos trabalhos da pesca, e diz-lhes: «Vinde atrás de mim (deûte opísô mou)!»
(Mateus 4,19). A resposta é imediata: «Deixaram logo as redes, e seguiram-no!»
(Mateus 4,20). E andando um pouco mais, viu outros dois irmãos, Tiago e João,
que, com o pai, Zebedeu, consertavam as redes na barca. Também os chamou. E
também eles deixaram logo a barca e o pai, e seguiram-no (Mt 4,21-22).
Note-se bem que Jesus
desce ao nosso mundo, caminha pelas nossas estradas e vem ter connosco aos
nossos lugares de trabalho. E é aí que nos chama. Não espera por nós no cenário
sagrado das nossas Igrejas! Não nos obriga a aprender uma doutrina, nem sequer
nos entrega um projecto de vida, mas chama-nos a segui-lo («vinde atrás de
mim»), e partilha connosco a sua vida, como o Mestre faz com os seus
discípulos. Não nos põe a fazer uma espécie de estágio, para que um dia nos
tornemos Mestres. Nós permanecemos sempre discípulos, e um só é o Mestre. Não
nos coloca num estágio, num estado, num estrado, numa estante, mas num caminho!
E um dia mais tarde, ouvi-lo-emos ainda dizer: «Ide!». É sempre no
caminho que nos deixa.
Tu, Senhor, Tu falas
E um caminho novo se abre a nossos
pés,
Uma luz nova em nossos olhos arde,
Átrio de luminosidade,
Pão
De trigo e de liberdade,
Claridade que se ateia ao coração.
Lume novo, lareira acesa na cidade,
És Tu, Senhor, o clarão da tarde,
A notícia, a carícia, a
ressurreição.
Passa outra vez, Senhor, dá-nos a
mão,
Levanta-nos,
Não nos deixes ociosos nas praças,
Sentados à beira dos caminhos,
Sonolentos,
Desavindos,
A remendar bolsas ou redes.
Sacia-nos.
Envia-nos, Senhor,
E partiremos
O pão,
O perdão,
Até que em cada um de nós nasça um
irmão.
António Couto
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