sexta-feira, 6 de novembro de 2015

QUANTIDADE vs. TOTALIDADE


1. Um braçado de gravetos, um copo de água, um punhado de farinha, um tudo nada de azeite. Juntando as pontas destes fios, a viúva de Sarepta prepara-se para fazer uma última refeição de despedida da vida juntamente com o seu filho único. É nesta terra quase a terminar, onde já mal se tem pé, nesta vida quase a expirar, que surge Elias, o homem de Deus, conduzido por Deus, que atira à pobre mulher mais um fio de voz e de esperança a que se agarrar: Deus. Não é a quantidade que importa; o que importa é a totalidade. Pelo fio de voz e de esperança de Elias, Deus não reclama alguma coisa; reclama tudo: o coração todo, a alma toda, a confiança toda, as forças todas! E nem a farinha se esgota na amassadeira, nem o fio de azeite deixa de cair da almotolia! Extraordinária lição para a pobre viúva de Sarepta (Primeiro Livro dos Reis 17,10-16) e para nós, que atravessamos a secura da paisagem desta terra de Novembro.

5. O Evangelho deste Domingo XXXII do Tempo Comum, Marcos 12,38-44, põe em cena e em claro destaque uma viúva pobre que dá a Deus a sua vida toda, em contraponto com os escribas e muitos outros, que fazem bom teatro religioso. [...] A cena central passa-se no átrio das mulheres do Templo de Jerusalém, num lugar chamado «Casa do Tesouro» (bêt ha-gazît) (Marcos 12,41-44). Muita gente deitava aí muito do que lhe sobrava, mas a viúva pobre deu «tudo quanto tinha, a sua vida toda!». 

 6. O Evangelho refere que a viúva é pobre. Duplamente desfavorecida, portanto. Enquanto viúva e enquanto pobre. Mas a tecla que soa mais forte, é que deu tudo, ainda que tenha dado pouco. O acento não está posto na quantidade, mas na totalidade. É bom que, observando bem esta cena exemplar, aprendamos a passar da mera ajuda para o dom de nós mesmos. Dom total. O discípulo de Jesus, à maneira de Jesus, deve pôr em jogo a própria vida, e não simplesmente os adereços. Tudo, e não apenas o supérfluo. Dar o que sobra não tem a marca de Deus, não é fazer a verdadeira memória de Jesus, que se entregou a si mesmo por nós (Efésios 5,2), por mim (Gálatas 2,20). O supérfluo deixa a vida intacta. O dom de si mesmo transforma a vida para sempre. A marca deste dom é a totalidade e a definitividade.
7. Dar a vida toda ou entreter-se com os adereços, eis a verdadeira questão, meu irmão de Domingo.
 António Couto (Bispo de Lamego)

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