1. Este Domingo XII do Tempo Comum oferece-nos a imensa utopia messiânica que atravessa a profecia de Zacarias 9-14, um povo pobre, explorado, combatido e assassinado, mas que é a «pupila dos olhos do Senhor» (Zacarias 2,12), que tem nele colocados os seus olhos (Zacarias 9,1 e 8). Este povo pobre e mártir tem direito à sua esperança e ao seu rei diferente, que se apresenta pobre e pacífico, montado num jumento, animal de paz e não de guerra, e que porá fim aos instrumentos de guerra (Zacarias 9,9-10). Mundo novo. O texto deste Domingo (Zacarias 12,10-11; 13,1) faz-nos chorar este povo pobre e mártir personificado num filho único, num filho primogénito, martirizado, mas faz-nos ver também, e fixa o nosso olhar nesta figura desfigurada e transpassada, mas transfigurada, pois se tornará numa fonte de água pura, salvadora e salutar (Zacarias 13,1; 14,8). É, neste sentido, que «hão-de olhar para aquele que transpassaram» (Zacarias 12,10). Cruzamento de olhares: olha Deus para ele, por ele; olhamos agora também nós para ele, por ele! É sabido que São João, vendo Jesus e relendo este texto de Zacarias, fixa o nosso olhar em Jesus crucificado, transpassado, desfigurado, transfigurado (João 19,37). Então o crucificado ressuscitado, que preside à nossa assembleia dominical e à nossa vida, deixa de ser uma u-topia [= «sem lugar»], para se transformar numa eu-topia [= «lugar feliz»]. Olhar fixo n’Ele! Mãos abertas em concha para Ele, para as encher nessa fonte de graça e de saúde! Sim, somos chamados a transformar o «deslugar» deste mundo em «lugar feliz»!
2. Faz equilíbrio com este grande texto de Zacarias o Evangelho de Lucas 9,18-24. Começa por nos apresentar Jesus a rezar sozinho, o que acontece imensas vezes no Evangelho de Lucas, que é, por isso, também chamado «Evangelho da oração». E «orar» é, em sentido genuíno, etimológico, beijar, como lembrou o Papa Bento XVI aos jovens reunidos na XX Jornada Mundial da Juventude, realizada em Colónia, em 2005, referindo que a palavra latina para oração é oratio e a locução latina para adoração é ad oratio, contacto boca a boca, beijo, abraço, e portanto, no fundo, amor, ou seja, orientar a nossa vida toda para Deus, entregar a Deus a nossa vida toda, para que seja Ele a olhar para nós, por nós! É importante sabermos, informa-nos o narrador, que os seus discípulos estavam com Ele. Estar com Ele é o «lugar feliz» do discípulo de todos os tempos. Estar sem Ele é sempre um «deslugar». Se for este o caso, temos rapidamente de mudar de lugar!
D. António Couto
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